As sequelas que o novo coronavírus pode trazer

 

Psicóloga e neurologista do Hospital Eduardo de Menezes comentam os danos que o vírus pode causar e reforçam a importância do carinho de familiares e amigos para os contaminados

Medo, preconceito, ansiedade e o sentimento de que a morte nunca esteve tão perto. A covid-19 não termina com a alta médica. Além dos males físicos, o novo coronavírus pode trazer a reboque males neurológicos e para a saúde mental. Para muitos sobreviventes, o pós-covid-19 não é fácil emocionalmente, além de uma nova vida que se apresenta, algumas vezes com sequelas, há traumas, medo de se contaminar novamente e o julgamento de conhecidos.

WhatsApp Image 2020 09 23 at 14.07.01“Para muitos, há o processo de luto, principalmente se o vírus trouxe a perda de uma funcionalidade. Há os que saem do CTI e se tornam dependentes de alguém, sendo que antes tinha uma vida independente”, comenta a psicóloga Gilcléria da Silva Ferreira, que atua na linha de frente da covid-19, dentro do Hospital Eduardo de Menezes, em Belo Horizonte —unidade referência em Minas para o tratamento de pessoas contaminadas pelo novo coronavírus.

Gilcléria, junto a outras três psicólogas, trabalha a saúde mental dos pacientes internados no CTI e na enfermaria do Eduardo de Menezes, além de dar suporte aos familiares desses pacientes. “Fazemos um trabalho sobre esse adoecimento, internação e a situação de morte iminente. ” A psicóloga reforça que o SUS historicamente, nesses 30 anos de existência, foi se humanizando nos atendimentos, tendo uma das conquistas deste processo a presença dos acompanhantes durante o tratamento, contribuindo na recuperação.

“No entanto, com a covid-19, o paciente não tem mais as visitas nem acompanhantes, e passa a se sentir muito sozinho”, diz. A sensação de solidão, inclusive, é acentuada com o fato de os profissionais da saúde estarem paramentados, sem que seja possível reconhecer suas feições.

Uma das formas de amenizar essa solidão, quando possível, é a chamada telefônica com os familiares. “Há uma ansiedade do paciente ver seus parentes e saber se eles estão bem. Quando há essas visitas virtuais, eles se sentem mais seguros para o tratamento”, comenta Gilcléria, dizendo que, para os familiares, também há o suporte psicológico.

Preconceitos

“Muitos familiares temem o preconceito, principalmente, porque os conhecidos, sabendo que estão com parentes internados, tendem a se afastar. Explicamos a eles que esse afastamento é pelo receio do contágio. Há ainda o medo da perda do parente ou de se estar contaminado também”, diz Gilcléria, explicando que, no caso do óbito, os parentes também recebem atendimento psicológico.

O preconceito, inclusive, é um dos pontos mais levantados pelos sobreviventes no pós-covid-19. Principalmente nas cidades do interior, de acordo com relatos, as pessoas temem contar sobre o ocorrido com medo da reação dos moradores da cidade.

Além do acompanhamento psicológico durante a internação, há no SUS o atendimento na Atenção Primária, que deve ser procurado, de acordo com Gilcléria, assim que o paciente sentir a necessidade de um apoio psicológico. “Em universidades e em algumas clínicas, há voluntários fazendo esse trabalho”, diz, lembrando que o apoio dos amigos e familiares é fundamental para uma boa recuperação dos pacientes. Em casos de sobreviventes que desenvolveram algum sintoma físico ou emocional após infectados deve-se procurar atendimento especializado.

Sequelas neurológicas

 

Há sobreviventes da covid-19 que relatam sequelas neurológicas, como dificuldades de locomoção, de linguagem ou até de memória. Segundo explica Maíra Cardoso Aspahan, neurologista dos hospitais Eduardo de Menezes e Madre Teresa, há a síndrome dos pacientes críticos que, geralmente, ocorre naqueles que sofreram uma infecção grave e precisaram de intubação, medicações e ventilação mecânica durante um longo período.

“Esses pacientes podem ter uma perda de massa muscular e sequelas neurológicas associadas, como dificuldade de andar. Não é algo específico da covid-19, mas uma síndrome que acomete enfermos que passaram pela UTI por muitos dias”, esclarece, apontando que outros estudos mostram a possibilidade de haver também problemas cognitivos.

“Quanto mais tempo um paciente grave da covid-19 fica na UTI, com confusão mental durante a internação, aumenta o risco de um desfecho cognitivo ruim. Isso é acentuado no contexto da pandemia. Há a falta de interação humana. Essa pessoa não recebe visitas, não vê as feições dos profissionais que lhe atende, além de ser visto como um risco sanitário".

Com isso, é possível, segundo Maíra, que haja sequelas como comprometimento da memória, dificuldades de desenvolver habilidades cotidianas e até de concentração durante conversas simples. “É importantíssimo que durante a reabilitação, esse paciente se sinta acolhido por seus familiares e esteja em um ambiente que se sinta bem, com pessoas pacientes para esse processo”, enfatiza Maíra. Ela reforça que o processo de reabilitação é longo e, em muitos casos, será necessário o acompanhamento de profissionais de diversas áreas, como fisioterapia, fonoaudiologia, psiquiatria, neurologia, entre outros.

Por Luciane Evans

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